sábado, 31 de outubro de 2009

Eloi D,avila de Oliveira. - Flaytour

Tubarão do turismo

O dono da empresa de viagens Flytour foi morador de rua em São Paulo. Hoje, fatura R$ 1,6 bilhão por ano

Reportagem de Maria Laura Neves


ALERTA
Oliveira e o tubarão do refeitório: contra a acomodação
A decoração do refeitório dos funcionários da Flytour, uma das maiores empresas de turismo do país, é inusitada. Na área externa, uma espécie de varanda integrada ao refeitório, os funcionários podem se deitar em espreguiçadeiras. Nas paredes, quadros de músicos famosos, como Beatles, Rolling Stones e Bob Marley, dividem espaço com pequenos barcos, peixes de madeira, pranchas de surfe, redes e varas de pescar - objetos que lembram uma casa de praia. Tudo parece ser feito sob medida para criar um clima de descontração. Mas do telhado aparece uma réplica de um tubarão, com 4 metros de comprimento. O bicho fica pendurado com a cabeça para baixo, na direção das mesas. Tem a boca aberta e os dentes afiados à mostra. "Acredito que funcionário feliz é mais produtivo", diz Eloi D'Avila de Oliveira, fundador e principal executivo da empresa. "Mas eles não podem ser acomodados. O tubarão é para lembrá-los de que os perigos estão sempre nos rondando."

Oliveira tem um estilo de gestão dos mais inovadores do país. É um estilo formado principalmente pelo exemplo de grandes empresários e pelas teses de gurus internacionais. Oliveira não chegou a completar nem o ensino básico. Mas é um ávido participante de seminários e palestras sobre negócios. Diz ter 4.500 crachás desse tipo de eventos. "Só vou a palestra que dá crachá." Tem especial admiração por Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, que morreu em 2005. Acredita que Drucker era um visionário, por ter previsto tantas das características do mundo moderno. Entre as lições aprendidas nos seminários estão o controle de metas e o contato olho no olho. Oliveira diz discutir as metas de cada um de seus 1.350 funcionários pessoalmente. Para isso, passa o último mês do ano em viagens por todo o país. Também costuma dar, ele próprio, uma palestra motivacional aos empregados. Um dos slides de maior sucesso da apresentação diz que o lema dos vendedores deve ser "TBC", uma sigla para "tire a bunda da cadeira".

A fórmula de gestão de Oliveira tem dado bons resultados. Embora relativamente desconhecida do grande público, a Flytour é a maior operadora de viagens de negócios do país e a maior distribuidora de passagens aéreas no atacado da América Latina. A cada ano, vende o equivalente a 25 mil aviões lotados em passagens. São cerca de 3 milhões de bilhetes. Em 2006, diz Oliveira, o faturamento da empresa deverá ficar em torno de R$ 1,6 bilhão. Além de distribuir passagens de terceiros no atacado, a Flytour tem, também, uma rede de agências de viagem com 140 lojas e 50 franqueadas, espalhadas por todo o país. A rede recebeu cinco estrelas no 3o Anuário das Franquias, publicado pela revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, também da Editora Globo. É a cotação mais alta que uma rede pode obter no levantamento.

Nas últimas semanas, o tubarão do refeitório bem poderia ser dispensado da tarefa de deixar o pessoal alerta. Os atrasos de vôos e a situação indefinida do controle aéreo brasileiro já trataram de disseminar ceticismo entre as empresas de turismo. Mesmo assim, Oliveira mantém seus planos de crescimento. Diz que vai abrir o capital da empresa no ano que vem, com a negociação de ações na Bolsa de Valores. E planeja a internacionalização da rede, com a abertura de franquias na Argentina, no Chile e no Uruguai. Em 2008, Oliveira diz que vai inaugurar um centro de treinamento para profissionais da área de turismo - a Academia Flytour de Ensino.
Para Oliveira, os percalços dos últimos dois meses são "apenas mais um obstáculo". Ele diz estar escolado. Sua empresa, iniciada há 32 anos, quase quebrou em 1990, quando surgiram duas concorrentes para vender bilhetes no atacado a pequenas agências de turismo. Tão rapidamente quanto surgiram, as duas concorrentes desapareceram do mercado. Oliveira diz que elas tinham práticas desonestas, e as agências perceberam. "Mas eu quase fui à falência", afirma. "Vendi quase todo o meu patrimônio para pagar os credores."

Oliveira é o típico self-made man. Casado, com quatro filhos crescidos, ele nasceu em Esteio, na Grande Porto Alegre, em 1951. Perdeu a mãe com apenas 3 anos. Seu pai, segundo ele, não tinha condições financeiras de criar os 15 filhos. Ele foi morar, então, na casa de sua irmã mais velha, que diz chamar de mãe, na capital gaúcha. Ele conta que, aos 8 anos, fugiu de casa por causa do cunhado, que era alcoólatra. Quando bebia, esse cunhado batia nele e na irmã. Oliveira veio de carona até São Paulo e afirma que, durante alguns meses, morou na rua. Lavava carros e engraxava sapatos nos arredores da antiga rodoviária, na região central da cidade. Até que foi preso pelo Juizado de Menores e mandado de volta para a casa da irmã, no Rio Grande do Sul.

Oliveira ficou nesse vaivém entre São Paulo e Porto Alegre durante alguns anos. Ficava algum tempo na capital paulista, sentia saudade e voltava para o Sul. Mas não agüentava conviver com o cunhado e fugia de novo. Aos 12 anos, resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro. Sonhava em arrumar um emprego e ficar rico. Não ficou. Mas foi no Rio que ele deu o passo que considera ter sido o mais importante de sua vida. Ele trabalhava como guardador de carros na frente do hotel Copacabana Palace. Um dia, alguns meses depois de chegar à cidade, conheceu um guia turístico da agência Stella Barros, uma das principais do país na época. Afirma que o guia gostou dele e o levou para trabalhar na empresa. Oliveira começou como office boy. Cinco anos depois, já era assistente de vendas. Parecia que teria uma carreira promissora lá. Mas a irmã que o tutelara foi morar em São Paulo com a família e Oliveira decidiu largar tudo para ir a seu encontro novamente.

Com a experiência que adquiriu na Stella Barros, Oliveira logo arranjou um emprego na área. Foi trabalhar como vendedor na Bradesco Turismo. Foi lá que conheceu sua mulher. Algum tempo depois, foi trabalhar como vendedor de passagens na loja das Linhas Aéreas Paraguaias (LAP), "que ninguém queria comprar". Diz que foi demitido quatro vezes, porque vendia mais passagens que a capacidade dos aviões. Na quarta vez, não voltou mais. Decidiu montar o próprio negócio na área de turismo para vender passagens no atacado para pequenas agências de viagens. Assim surgiu a Flytour.

Embora se mostre preocupado com o bem-estar dos funcionários, parece não relaxar. Declara-se um workaholic. "Nunca estou satisfeito", afirma. "Todas as vezes em que saio de uma negociação, fico com a sensação de que poderia ter conseguido mais." Diz que, muitas vezes, trabalha também nos fins de semana e chega a passar três meses viajando, em visita a clientes e fornecedores, aqui e lá fora. "Sou vidrado no que faço", afirma. "O objetivo não é ganhar dinheiro. Isso é conseqüência."


Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76035-6012-449-1,00-TUBARAO+DO+TURISMO.html

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